19 de abril de 2022

Como validar interesses especiais para a aprendizagem no autismo? Encontrando forças nas habilidades do indivíduo no TEA

Quando se fala em Transtorno do Espectro Autista (TEA) o que primeiro temos em mente são os desafios que esse indivíduo enfrentará para viver em sociedade (pelo menos da maneira que a sociedade funciona hoje).  Apesar de já termos ouvido muito que a sociedade precisa conhecer mais sobre o autismo, e termos consciência de que muito do básico já foi falado, entendemos que a necessidade de reabastecer de explicações a população não se esgota. Até porque a ciência traz pesquisas validadas por experiências que desmitificam cada vez mais o espectro autista.

Além disso, a importância de manter a sequência de informações se justifica porque muitas abordagens ainda são centradas nas fraquezas que acabam sendo mais difundidas do que as forças que o cérebro autista apresenta. Apesar da relevância, não trataremos desse aspecto aqui, pois a intenção desse texto é apresentar as habilidades ou os pontos fortes diretamente relacionados ao diagnóstico de autismo.

Simploriamente muitos acreditam que pessoas autistas são gênios. Primeiro temos que lembrar que não existem dois autistas iguais e que há comorbidades envolvidas no diagnóstico a serem consideradas, como exemplo o fato de a prevalência de DI no autismo, que está em torno de 70% dos casos (GAUDERER, 1997; SIGMAN, CAPPS, 2000; SCHWARTZMAN, 2003). Dito isso, pode sim ser um equívoco generalizar que os autistas são gênios da tecnologia, são antissociais ou de alto funcionamento.

Pesquisas mostram que, cada vez mais, pessoas autistas que necessitam de mais suporte podem ser, em certos aspectos, mais inteligentes do que pessoas neurotípicas. Oliver Sacks destacou os “autistas savants” em seus textos, como Temple Grandin, conhecida por possuir habilidades extraordinárias.

É sabido que muitos autistas não funcionam em alto nível, em contrapartida, inúmeras crianças têm a infância marcada por falta de habilidades sociais, mas com tantas outras capacidades acadêmicas admiráveis como o domínio de várias línguas, ou a afinidade com a lógica acima do normal. Elon Musk, Steve Jobs, Bill Gates são exemplos de pessoas que vivem ou viveram de forma independente e alcançaram sucesso como gênios da tecnologia, mas talvez não tenham sido os mais populares na infância ou na área afetiva.

O fato é que as pesquisas têm mostrado que mesmo pessoas autistas que aparentemente se mostram deficientes podem ser dotadas de habilidades surpreendentes, superior às pessoas neurotípicas. Baren-Cohen, que estuda autismo há décadas, descreve os cérebros de pessoas autistas como capazes de entender números ou padrões – em sua obra The pattern seekers – How Autism drives – Simon Baron Cohen (2020).

Um psiquiatra, pesquisador da Universidade de Montreal, Laurent Mottron, liderou uma análise que mostrou como o cérebro autista busca tipos de informação que “prefere” processar, como números e padrões; enquanto ignora as que não gosta, como pistas verbais e sociais. Os recursos são concentrados no processamento visual e menos em tarefas de como planejamento e controle de impulsos. Seu estudo concluiu que as pessoas autistas são 40% mais rápidas na resolução de problemas. A análise mostrou ainda que, inclusive, autistas não verbais, se mostraram eficazes no processamento de padrões complexos.

Os indivíduos autistas podem ter talentos e habilidades que não são óbvias, pois pensam diferente. Mesmo assim os desafios de famílias com crianças atípicas são reais. E o tratamento comportamental é recomendado para melhorar a qualidade de vida de todos os envolvidos. Muitas vezes a criança autista não pode falar, mas reconhece padrões, apresenta criatividade e tem orientação para detalhes.

Por isso é necessário repensar como educadores podem contribuir. E uma maneira de conquistar ganhos na comunicação, por exemplo, é aproveitar os pontos fortes desses indivíduos. Mas quais seriam esses pontos fortes?

Autistas são capazes, as habilidades que apresentam podem estar diretamente relacionadas com o diagnóstico recebido e podem incluir:

 

  • Aprender a ler muito cedo (conhecido como hiperlexia);
  • Memorizar e aprender informações rapidamente;
  • Pensar e aprender de forma visual;
  • Maior capacidade de raciocínio lógico;
  • Pode se destacar (se capaz) em áreas acadêmicas como ciências, engenharia e matemática, pois são assuntos técnicos e lógicos que não dependem muito da interação social;
  • Ter uma memória extraordinariamente boa (ser capaz de lembrar fatos por um longo período de tempo);
  • Ser preciso e detalhista;
  • Honestidade e confiabilidade excepcionais;
  • Ser criterioso em relação a horários e rotinas;
  • Ter um excelente senso de direção;
  • Ser muito pontual;
  • Forte adesão às regras;
  • Capaz de se concentrar por longos períodos de tempo quando motivado;
  • Ter um impulso para a perfeição e a ordem;
  • Apresentar uma capacidade de solução alternativa de problemas.

 

 

Uma das indicações de autismo é justamente a forte atenção que essas crianças dão a um tópico específico. Num nível intenso de atenção, voltada para esses assuntos, os indivíduos com autismo deixam de lado outras comunicações e atividades.

 

Há oportunidades para aprendizagem ao nos voltarmos para os interesses especiais, muitas vezes passamos a maior parte do tempo corrigindo as fraquezas, enquanto os pontos fortes são negligenciados. Oportunidades de comunicação intencional, maiores interesses na socialização podem ser alvos a serem trabalhados e os interesses pessoais podem servir de estímulos para esse processo de aprendizagem.

A linguagem, por exemplo, pode ser melhor entendida quando criamos conexões significativas – vincular as estratégias de tratamento a algo de interesse da criança. Isso pode fazer que elas aproveitem ao máximo as sessões de atendimento. Uma abordagem baseada nas forças do paciente pode ser fundamental para ajudar as crianças a se sentirem seguras e movidas pela sua curiosidade e, claro, aumentar a conexão e a comunicação entre as partes.

Algumas dicas para pais e educadores explorarem interesses pessoais e conectá-los à aprendizagem:

– Habilidades de brincar – quando a criança estiver brincando com brinquedos que mostram seus interesses especiais, junte se a criança e tente expandir as habilidades sociais por intermédio da brincadeira;

– Habilidades com números – usar brinquedos que explorem cores, números, tamanhos, medidas podem encorajar a comunicação;

– Habilidades de cuidado diário – desenvolver a cooperação por meio dos interesses da criança, como colocar brinquedos favoritos no momento do banho e usá-los para a interação com a criança;

– Habilidades de conversação – motivar para a comunicação por meio dos interesses especiais. Deixe que a criança fale e em seguida faça perguntas e deixe que a criança também pergunte;

Tudo é válido para manter aberto o canal de comunicação e com isso desenvolver o gosto por aprender.

 

Sandra Paro.

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Sobre o(a) autor(a)
Sandra Paro

Sandra Paro

Sandra Paro é mãe, professora, estudiosa, idealizadora da ABA+, analista do comportamento, consultora de recursos terapêuticos, corajosa, disciplinada e ensaísta para o ABA+
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