18 de fevereiro de 2020

Fragmentos do ser

por Cris Alves

Semana passada, tratamos dos benefícios da leitura para o ser humano, mas sabemos que há muito a ser tratado. O tema além de interessante, não se esgota facilmente. Esta semana, fomos à procura de leitores e seus livros preferidos. Eis um pouco do que ouvimos.
Fragmentos do ser por Sandra Paro

“Tudo começou com a coleção de contos maravilhosos – com 4 volumes em capa dura e recheados de mundos maravilhosos, diferentes do meu, o volume trazia um disco ao final com os contos mais conhecidos. Ouvir a narrativa era um deleite, ainda não sabia ler as letras ou palavras, mas lia as figuras. Depois de leitora a coleção ainda me acompanhou por muito tempo, em minhas fugas diárias para a alegria das histórias.

Quando fui para a escola nova, já no 3º ano, conheci a pessoa mais incrível da escola, ela era muito rica, seu nome era Rosa, era tímida e muito organizada e também muito gentil, era a bibliotecária. A biblioteca ficava paralela à sala do 3º ano da Dona Therezinha Rutipaulis e eu visitava a Rosa, várias vezes ao dia, pois ela era a guardadora do maior tesouro já visto, disposto em estantes criteriosamente organizadas, de uma maneira mágica, que eu ignorava.
Nessa época meu pai já era o leitor da casa e com a sua voz de locutor, leu um capítulo de um dos livros da Laura Ingals que a Rosa havia me indicado e percebeu que se tratava de uma série que era exibida na TV Record, “ Os Pioneiros”, daí pra frente a hora da leitura e da apresentação da série eram sagradas para a família.

Li a coleção inteira da Laura Ingals e quando terminou… o vazio no meu peito foi avassalador. Sem rumo, fiquei completamente sem rumo. A Rosa entendeu e me apresentou outras coleções inteiras, quanto mais volumes as coleções tivessem, mais meu coração se aquietava.

No 5º ano conheci da Dona Maria Cristina, uma criatura delicadíssima, professora de Geografia, nos fez ler “Justino, o Retirante”, de boca seca, com a alma moída eu disse a ela que aquele livro tinha me modificado e que eu jamais esqueceria do Justino, ou dela: a professora.

E assim, lendo e aprendendo outras realidades, cheguei a um livro com título estranho, na casa da minha tia Maria, o livro era do meu primo “comunista”, Ruy Márcio, ele tinha uma estante maravilhosa e estranha e todo o momento em que davam minha falta, lá estava eu diante da estante do Ruy Márcio, o livro nas mãos era “ O Eu profundo e os outros eus”, nunca entendi, mas aquele livro me chamava. Anos depois na faculdade eu pude conhecer melhor o maior poeta do mundo, Fernando Pessoa – meu poeta de cabeceira.

Comecei a trabalhar com 16 anos e antes disso fazia chantagem com meu pai para conseguir comprar os livros que queria, dizia que eram pra escola, mas não eram. Após ter o meu salário, recebendo a revistinha da Ediouro em casa, resolvi que leria tudo que fosse de minha vontade, de capa bonita e com título intrigante… e fui conhecendo os autores da literatura mundial, ainda tenho os livros, com letra miúda e edições populares.
Então conheci Emily Brontë e com ela: Heathcliff e Cathy, “O Morro dos ventos uivantes” é seguramente o meu romance, ou seja, o que mais li, repetidas vezes, assisti aos filmes, séries e tudo o que pudesse sobre essa história de amor.

Até que ele voltou… Fernando Antônio, voltou e ficou e eu o devorei, e degluti toda a sua obra, vezes e vezes, até ser capaz de identificar cada heterônimo e saber o que era atribuído a cada um, ele está comigo até hoje, somos inseparáveis.

A faculdade acabou e eu tinha lido tudo e muito, veio a depressão, que foi curada com a pós na UNESP – que presente! Mudou a minha vida! E eu que achava que isso já havia se dado na faculdade, percebi que não sabia nada… fui apresentada a vários outros autores, mas a amizade sincera e o amor incondicional se deu com João. Ele me entendia, falava comigo, assim como o Fernando, mas com outro vocabulário, a princípio não decifrável, João propôs a travessia, eu virei Tutameia, e até hoje busco nele as respostas que não tenho.

Nunca parei de ler contos maravilhosos, nunca deixei de reler o já lido, a leitura é meu alento.”

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Sobre o(a) autor(a)
Cris Alves

Cris Alves

Cris Alves é filha, mãe, professora encantadora de pequenos escritores, indignada, empenhada, multifacetada e articulista para o ABA+ É muita inteligência afetiva!
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