2 de março de 2021

Por que não deveríamos usar o termo “Asperger” para referir-se a um dos níveis do autismo?

Por que não deveríamos usar o termo “Asperger” para referir-se a um dos níveis do autismo?

Sandra Paro

A princípio, quem foi “Asperger”? Hans Asperger (1906-1980) foi um médico austríaco que deu o nome à síndrome, pois foi o primeiro a descrever o transtorno do espectro autista, em 1944. O médico observava crianças com falta de empatia, conversação unilateral, movimentos descoordenados, hiperfoco, ou capacidade de detalhamento sobre um tema específico. Foi ele também que apontou haver uma predominância desse quadro em meninos.
A Síndrome de Asperger foi incorporada ao Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais – DSM-4, em 1994, descrita como um subtipo dos transtornos globais do desenvolvimento

O DSM-5 já havia dispensado o nome síndrome de “Asperger”, substituindo o termo por Nível I do TEA (Transtorno do Espectro Autista), considerado um quadro mais leve e funcional do espectro do autismo.

O Nível I pode ser mais difícil de ser diagnosticado por não ser notado o atraso intelectual e em alguns casos, atraso na fala, a criança inclusive pode apresentar vocabulário amplo e rebuscado.  Já os principais desafios incluem dificuldades em abstrair, com relações de amizade, problemas sensoriais, adaptação à novas rotinas, entre outras. O espectro é amplo e dada sua singularidade, os sintomas que podem estar presentes em um indivíduo não são regra para outro indivíduo.

Ainda sobre o termo “Asperger” é comum encontrarmos em redes sociais e nos movimentos de neurodiversos com maior frequência. Eles se referem a si mesmos como “Aspies”, alguns meios de comunicação apelidaram a síndrome de “síndrome geek” e afirmam ser o Vale do Silício um dos locais onde há a maior concentração de “Aspies” do mundo.

Explicações a parte sobre as características desse nível do espectro, voltemos ao nosso ponto que é o porquê não deveríamos usar o termo “Asperger”. Não só porque a nomenclatura oficial e científica o recomenda, porque a partir desse documento, que reuniu todos os transtornos que estavam dentro do espectro do autismo num só diagnóstico: TEA, mas porque, segundo a revista científica Molecular Autism, Hans Asperger, tinha ligações com programas nazistas e cooperou com o regime enviando crianças com deficiência à morte. 

Historicamente há especulações sobre o Partido Nazista e seu esforço para eliminar crianças com deficiências, já que eram considerados uma ameaça à pureza genética ariana, segundo o líder nazista. 

Segundo o livro Asperger’s Children: The Origins of Autism in Nazi Vienna (“Crianças de Asperger: As Origens do Autismo na Viena Nazista”, em tradução livre), o médico, que já deu nome à Síndrome, teria encaminhado dezenas de crianças para uma clínica chamada ‘Am Spiegelgrund’, em Viena, onde médicos fizeram experiências com elas, levando as a morte. 

A historiadora Edith Sheffer, autora do livro em questão, visitou arquivos do governo de Viena, bem preservados, que garantiam a participação de Asperger no partido nazista, embora ele não fosse membro. E ainda conferiu registros do próprio médico que descreviam crianças com deficiências e condições psiquiátricas em termos muito mais negativos do que seus colegas faziam. Gradativamente Asperger modificou sua descrição sobre as crianças com autismo: em 1938, “grupo de crianças bem caracterizado”, três anos mais tarde: “crianças anormais” e em 1944: “fora do organismo maior”. Depois da guerra, Asperger declarou sua opinião sobre o programa de eutanásia naquele período; “totalmente desumano”. O que vem dividindo opiniões sobre o médico e a sua contribuição na história do autismo. 

A autora do livro, a historiadora Sheffer, acredita que acabar com o uso do termo “Asperger” é imprescindível, mas outros garantem que isso poderia apagar essas lições do passado, que não devem ser ignoradas, aprendemos com o passado.
E você, como pensa? Se ainda não tem uma opinião e desejar conhecer a obra de Sheffer, segue a indicação: Crianças de Asperger – As Origens do autismo na Viena Nazista – Autora: Edith Sheffer – Tradução de Alessandra Bonrruquer – Editora Record,2019.

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4 Comentários

  1. Gostei do texto, embora já conhecesse a nova classificação de acordo com o DSM-V, que me veio por meio de uma entrevista com uma psicóloga especialista no assunto e na clínica. Desse modo, o que se torna pertinente é justamente o que preenche o contexto em torno de Hans Asperger. sou Há, portanto, duas questões que me interpelam: possuo diagnóstico que alguns transtornos, como o TDAH, e ainda desconfio que vivo no espectro do Autismo; convivendo um pouco nesse universo, percebo que muitos autistas parecem se apropriar do termo “Asperger” para adjetivar-se, ou seja, alguns não consideram que possuem o transtorno, mas que são o próprio transtorno: “eu sou Asperger (…)”. Talvez dizer que se é TEA pode não ser tão funcional. Essa funcionalidade do nome é o que parece ser estranho, até porque parece alimentar o desejo dos que não são autistas a quererem sê-lo. A segunda é em relação ao apagamento do termo Asperger. discordo totalmente dos que pensam que esta mudança levaria ao esquecimento das atrocidades do nazismo. Ao contrário, é pelo apagamento do mal que se promove o bem. E não se trata de maniqueísmo, digo, antes que alguns o pensem. Trata-se de negar, pelo nome que ainda é levantado (e como eu disse anteriormente, como bandeira) a maldade jamais esquecida. Imaginemos que, em um movimento de sustentação de um termo não comprometido como TEA, a primeira coisa que pode vir à tona é: “Asperger” se remete a (…). No Brasil, não existem tabus desse tipo, diferentemente da França, que possui alguns tabus no campo lexical, que passam a não ser ditos, como o termo “colonial” em alguns contextos. Enfim, acredito que o uso do termo TEA é pertinente do ponto de vista do próprio nome, o que auxiliaria os autistas a apagarem do fantasma do “eu sou”, evitaria o desejo de ser de alguns e ainda traria a Alemanha nazista à memória, este último, reitero, como efeito contrário ao dos que pensam que isso seria esquecido.

  2. Não é porque o médico participou de coisas inaceitáveis que o que ele descobriu não existe.
    Temos que saber separar as coisas.
    Sumir como termo não apaga as atrocidades do nazismo nem as características especificas desse diagnóstico.
    Mas sumir com isso, por uma punição póstuma, pode deixar o diagnóstico do autismo ser menos específico e muito amplo no nível 1, o que dificulta o diagnóstico e as terapias.

  3. Ridículo. O nome Asperger é muito mais esteticamente bonito do que esse outro. Me recuso a falar outra coisa que não seja a palavra “Asperger”. Quem decidiu mudar o nome deve ser muito sem noção pra mudar algo que já estava definido e que fica muito mais bonito sonoramente e esteticamente.

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Sobre o(a) autor(a)
Sandra Paro

Sandra Paro

Sandra Paro é mãe, professora, estudiosa, idealizadora da ABA+, analista do comportamento, consultora de recursos terapêuticos, corajosa, disciplinada e ensaísta para o ABA+
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