8 de abril de 2022

Eu, por mim mesmo

Texto de Lucas, autista, de 27 anos, acadêmico de medicina, saltou de paraquedas pela primeira vez no evento Salto Azul

Volta e meia me questionam sobre como é ser um autista adulto e a melhor resposta ainda é: não sei dizer. Não porque não sou autista ou porque sou autista leve, mas porque meu forte nunca foi me expressar. Dizem que me expresso bem, como se superasse a maior parte dos neurotípicos nesse quesito, entretanto, não acredito nisso. Não vejo necessidade de falar algumas coisas que se pressupõe que seja importante, por outro lado às vezes tudo me parece importante, cada detalhe, cada nuance, ninguém tem paciência para ouvir e filtrar, ou mesmo entender as ênfases (que não coloquei). Outras vezes começo a falar e não paro, sobre assuntos que ninguém quer saber, mas que são meu hiperfoco. Volta e meia relaxo quanto aos meus filtros e sou sincero demais ou ingênuo demais… Quando a cabeça acelera chego a gaguejar.
Ainda sobre a comunicação, quando eu tinha 10 anos, lembro da minha mãe indo me buscar no colégio, achei bom ter saído mais cedo, quando cheguei no carro ela estava chorando, eu não soube reagir, ela me disse chorosa que a “vovó tinha virado estrelinha”. Eu lembro de ter ficado confuso, minha avó materna estava doente, mas demorei a entender, eu já tinha 10 anos, então não pensei na minha avó virando estrela, fiquei perdido. A comunicação envolve a mensagem e os interlocutores, com o tempo fui percebendo que não poderia privilegiar a mensagem e esquecer o receptor, que embora eu não percebesse tanto, também existia para os outros uma imponência na linguagem não verbal. Li uma reportagem sobre um estudo que dizia que o líder não era quem sabia mais, mas sim quem demonstrava mais confiança. No meu perfeccionismo trabalhei isso por anos, falar “firme” com segurança. Anos depois percebo que é uma casca que as pessoas encontram, um autista que parece saber o que diz ou faz, no entanto, percebo que não é algo só do neuroatípico, demonstramos confiança, mas estamos todos meio perdidos.
Meu olhar é inadequado, às vezes não olho, outras vezes, olho fixamente. Queria que meu olhar refletisse a tristeza que trago de vez em quando, ou que minha voz não fosse monótona, a voz de radialista, mas que transmitisse alegria quando algo me faz vibrar. Eu ia ser menos deslocado se as coisas profundas explicassem a si mesmas nos gestos, se eu percebesse essa linguagem com clareza e o meu íntimo não soasse como um eco solitário dentro de mim. Tenho dificuldade de entender quando é piada, ironia, hipérbole…. Por que as pessoas têm que ser tão exageradas?! Por que nós autistas temos que ser tão ingênuos?! Não questiono isso com revolta, mas em tom poético. Como Hamlet questionando se devia ser ou não ser, antes de voltar a si e sabendo que já o é, fazer o que devia fazer.
Por fim, cada pessoa tem uma história, um dia pode ter caído uma folha na frente de alguém e ter mudado todo o pensamento, a forma de ser e ainda que ela explique, nenhuma folha era como aquela, nenhum vento era como aquele, evidentemente nenhuma história é como a dessa pessoa. Comunicando um pouco melhor ou não, ainda é pouco levando em conta a profundidade e as dimensões do ser. Se você acredita em Deus, ele o criou e o entende, de resto, somos todos como autistas perambulando por aí, demonstrando confiança/segurança, mas tão solitários quanto se pode ser.

Lucas Souza Soares.

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Sobre o(a) autor(a)
Lucas Soares

Lucas Soares

Acadêmico de medicina, autista, 27 anos.
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