13 de dezembro de 2020

Escola pra quê?

ESCOLA PRA QUÊ?
 
Por Mariza Domingues

O retorno às aulas presenciais, nesse ano tão difícil, momento de pandemia da Covid-19, não poderia destoar e vir sem conflitos, reflexões e dramas. E, claro, sem aprendizados sobre a vida que se mostra um turbilhão de efeitos e causas que estão acima de nossa capacidade de dominar o mundo em que vivemos – descoberta como rasa ilusão!

Obviamente, a questão da saúde foi colocada em primeiro lugar e cada família tem uma história, uma realidade doméstica, de saúde, um contexto, um sentimento, tudo muito específico e realmente especial. E é aqui que o tom da decisão se define como tão particular quanto a história de cada um. Assim, nem tente fazer julgamentos, tentar entender a decisão, nem tente se achar na condição do palpite ou da opinião. Nem tente!

É decisão que vai muito além da técnica. A proteção à saúde e a vida é pauta inicial, mas ela não está sozinha. Ela é a ponta do iceberg que entranha mar adentro e possui uma profundeza de dores, amores, dúvidas e certezas que nenhuma criatura é capaz de conhecer claramente. Nem quem toma a decisão de levar ou de não levar o filho de volta para a escola, nas aulas presenciais, é dotado de certeza absoluta e convicção plena da melhor decisão. É muito difícil. Há de se assumir muitos riscos. Pais são responsáveis pelos filhos e a afetividade e responsabilidade disso é extensa e arriscada. Ninguém sabe se está tomando a melhor decisão. Cada história torna-se justificativa para cada escolha. E cada história é única, cada família é única, cada criança é única e, assim, cada decisão é mandamento sagrado, cravado na pedra de cada lar. Assim, nem tente! Nem tente julgar!

A volta às aulas presenciais é assunto de cabeceira, ultimamente, de muitos pais, crianças e adolescentes, diretores, professores, pediatras, médicos. E, provavelmente continuará sendo em 2021. Todos em busca de uma resposta que não se alcança matematicamente como os ditos de protocolo com somas e multiplicações de casos de contágio, leitos hospitalares ocupados, taxa de contaminação, casos de mortes, estabilidade e tantos mais. O assunto vai além.
E, a partir de agora, com todo respeito e zelo com o trabalho de quem organiza protocolos, assiste à doentes, estuda os números da Covid, analisa e constrói dados importantíssimos para que decisões sejam possíveis dentro de uma razoável lógica, gostaria de olhar para o estudante, para a criança e adolescente que, hoje, tem a possibilidade de voltar, presencialmente, à escola e precisa decidir-se.

Olhar para esse estudante como ser único, com sentimentos e histórias muito exclusivas, construídas a seu modo singular de ser importante nesse universo. Pensando bem, manterei contato com a ciência, afinal, para educadores dedicados, estudados e atentos, há sempre a pauta de basear sua atuação em condições cientificamente comprovadas, experimentadas e assertivas. E, aqui incluo aos professores, os psicólogos, coordenadores e psicopedagogos que estão atuando nesse processo.

No momento em que a possibilidade de retorno às aulas presenciais se confirmou, o antagonismo tornou-se evidente. Ouvia-se de “Graças a Deus! ” à “Deus me livre! ”, de “Não vejo a hora de voltar! ” à “Nunca voltaria!”. E aqui, parto a uma convocação a pensar em todas as situações adversas pelas quais passamos nos últimos meses e fomos uma a uma experimentando, acertando, errando, recuando, progredindo e cada um a seu modo construindo seus aprendizados a partir de derrotas e conquistas. Essa decisão de voltar ou não às aulas presenciais é mais uma. E não tem como ignorar. Ainda mais sendo tão séria. É chegado o tempo da decisão. E, de novo, na ressalva de respeito aos setores importantíssimos envolvidos nisso, me apego ao ser humano, ao aluno, ao ser pedagógico. Talvez, seja critério de desempate na decisão a tomar. Talvez, nunca se tomará a decisão da volta pautado no valor e proteção à vida. Talvez, toma-se a decisão da volta pautados em percepções que nunca serão compreendidas pelos que estão fora dela. Nem tente!

As crianças com necessidades educativas especiais são um caso importante para se observar. Essas crianças, ainda mais, necessitam de uma rotina organizada e funcional para sua condição para se sentirem seguras e mais dispostas ao aprendizado. Após a ruptura grosseira de rotina que tiveram a partir do fechamento das escolas, passaram por um calvário de adaptações e readaptações para se construir um novo formato de vida possível à reinserção dos processos pedagógicos em seus cotidianos. Com o pouco tempo de dias letivos restantes, muitos pais e terapeutas entenderam agressivo e ineficiente o retorno dessas crianças, diante da dificuldade se construir rapidamente novos hábitos, mesmo sendo as crianças tão adaptáveis. Daí, como questionar essa situação?

Outros pais, principalmente de uma faixa etária que beira a pré-adolescência percebeu seus filhos tão impactados que comentam não os reconhecer, às vezes, em alguns comportamentos e decisões. Adjetivos como “rabugento”, “raivoso”, “distante”, “dormente” foram ouvidos nas descrições de crianças feitas por pais que entenderam o retorno ao presencial tão expressivo e urgente para resgatar a alegria, a vitalidade emocional, a capacidade de enfrentamento, do desafiar-se, do conquistar. Entenderam que isso é maior, é essencial, hoje.

O essencial, nunca, foi tão relativo. Por isso, insisto: não tente julgar o outro e suas decisões quanto ao retorno escolar presencial ou a manutenção das aulas on-line. Cada um sabe o que viveu e vive na clausura, no cotidiano, no anonimato da solidão com seu filho que, observado, partia o coração de muitos pais que percebiam uma angústia maior que o mundo, uma incapacidade de fazer algo que transformasse a saudade em expectativa, a solidão em zelo, o isolamento em noção do coletivo. Nem todos conseguiram e mesmo assim, todos são fortes.

Vivemos algo sem precedente! Não tem receita! Nem fórmula matemática, nem regras que resolvam. É um dia de cada vez e a força de manter-se vivo e experimentar o que o momento nos ensinou de um jeito muito forte: somos gente! E toda gente, só é gente porque sente. E sentimos! Sentimos tantas coisas que, em muitos momentos, pensamos que isso tudo não cabe em nós, mas cabe, pois isso tudo é o que realmente somos.

Impossível deixar sem menção àquelas crianças que lindamente descobriram o modo on-line de ser. Foi um movimento tão lindo ver as crianças se desenvolvendo em frete a telas e câmeras, abrindo e fechando microfones, construindo protocolos de comportamento on-line e absorvendo conhecimento a partir de esforços coletivos e amorosos que marcam essa relação pais-professores-alunos.

Foi incrível! Um mundo paralelo foi criado e fez tanta gente feliz. Vale observar os tímidos que se sentiram tão seguros que se tornaram destaques. Na intimidade da câmera fechada, participou, falou, questionou, se expôs, mesmo achando estar escondido e cresceu. Tem preço isso? Não! Evolução, revolução, interação e desenvolvimento!

Mas, e os que não se adaptaram ao universo on-line? Foi traumático, foi ofensivo, foi desestimulante. E, ainda assim, aprenderam que nem tudo é do seu jeito, nem tudo se move para exclusivamente fazer você feliz. Esse aluno, mesmo assim, fez, lutou, tentou e se dispôs. Aprendeu! Aprendeu sobre a vida! Outros ficaram pelo caminho, desistiram e equipes de resgates tiveram que socorrê-los. A escola, a família, os terapeutas são equipes de luz e amor nesse momento. Feliz quem os teve mesmo estando em situação complicada.

E, para esses alunos, o retorno foi “a vida voltando” como disse Clarice Lispector em um de seus contos. A vida voltou, as possibilidades voltaram, a existência voltou. Muitos pais usaram esse critério para decidir pelo retorno presencial. Muitas crianças voltaram e, mesmo diante de uma escola completamente modificada pela nova realidade e seus protocolos mil, se sentiu em casa.
A escola está diferente, mas ainda assim eu quero a escola. Essa é a frase que ecoa pelos portões, pátios e salas, agora menos habitados, mas não menos calorosos.

E, então, escola pra quê?

Escola para que o mundo seja mundo – on-line ou presencial – escola para que o consolo chegue, para que o afeto permaneça, escola para que a interação aconteça na necessidade mais instintiva do ser humano: relacionar-se com outro ser humano. Escola para que o mundo fique colorido e essas crianças possam alimentar sonhos.

Observo que adolescente se anima quando sonha, quando projeta o futuro, quando se sente parte do mundo e a escola oferece isso. Escola para brincar no recreio, para arrumar encrenca com o colega e resolver em espaço neutro, mas monitorado. Escola para que se aproprie do desconhecido e se ache a pessoa mais incrível do mundo por isso; escola para que surjam cientistas capazes de criar uma vacina para uma doença malvada em poucos meses quando alguém sugeria meia década; escola para que políticas públicas pautadas em senso do coletivo e empatia sejam criadas; escola para que as diferenças agreguem às pessoas o hábito de ser respeitoso; escola para que se tenha médicos e enfermeiros capazes de assumir o compromisso feito; escola para que professores tenham vida, para que seu afeto afete tanto o outro que ele se assuste com a capacidade que tem.

Esse momento inusitado fez com que a sociedade observasse, percebesse a escola e os professores e o processo educacional. Espero, verdadeiramente que a valorização, a singularidade, a interação, a afetividade da escola tenha superado suas limitações e promova a educação e seus profissionais a um patamar de respeito, reconhecimento e confiança.

E, ainda em licença para mais uma manifestação muito pessoal, como professora e mãe, recuso o discurso do “ano perdido”. Nós trabalhamos muito esse não, rompemos barreiras, desafiamos nossa capacidade e fizemos muito sim. Não ignoro as limitações, dificuldades, pois elas realmente existem, mas elas não impediram de que boas coisas acontecessem: aprendizados, convivências, superações…. Nós precisamos dar ar de vitória para o fim desse ano. Estamos vivos!

Aprendemos muito! Sofremos horrores, caminhamos em campo minado, mas estamos dignamente finalizando o ano letivo. O fato de estarmos exaustos fisicamente, exaustos emocionalmente, não pode nos impedir de ver nossas conquistas. Fomos muito valentes! E temos de estar orgulhosos!
Meu reconhecimento aos professores, alunos, coordenadores, diretores e colaboradores das escolas! Povo bom!
Então, escola pra quê?
Escola para que tenha pão, àquele que tem fome.

P.S.: Numa escrita, não cabe o mundo inteiro que é esse momento.

Mariza Domingues, professora e mãe de nascença.
 

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Sobre o(a) autor(a)
Mariza Domingues

Mariza Domingues

Mariza Domingues é mulher, filha, mãe, professora empenhada na proposta educacional contemporânea, educadora LIV, Psicopedadoga em formação, uma pessoa incrível e ensaísta para o ABA+ ! É muita inteligência Afetiva!
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