5 de abril de 2022

Entre os limites do real e do imaginário

Uma das questões mais recorrentes dos pais quanto à educação dos filhos, ultimamente, tem sido o uso das telas, tecnologias e redes sociais por crianças e adolescentes. Daqui, surge um universo de questões pertinentes como quantidade de tempo, idade inicial, conteúdo adequado, controle do uso, compulsão, comportamento moral nas redes, e por aí vai o calvário da modernidade atormentando pais, profissionais da educação, terapeutas, psicólogos, pediatras, psicopedagogos.

A primeira e talvez não tão desejada verdade é que as crianças e adolescentes de hoje, nasceram nesse universo em que o virtual, o global, o on-line são normais; são inatos a ele. A tecnologia não é novidade para eles, pois eles já nascem com isso incorporado na vida cotidiana, prática. É congênito. Assim, a ideia de que isso é novo, inovador, genial – que talvez permeia a cabeça de muitos pais – não é concepção aceita pelas crianças e adolescentes desse tempo. Eles entendem as tecnologias como parte do cotidiano. É trivial, é corriqueiro, é parte absolutamente normal e básica da sociedade. Então, tentar apresentar as tecnologias como absurdo, perigoso, extraordinário e fantástico para eles é inútil.

Sendo assim, o que parece ser possível, decente e adequado às nossas frustrações – se é que há alguma – diante da relação tecnologia-filhos/alunos/paciente é simplesmente incorporar esse instrumento/realidade ao nosso universo familiar, escolar, terapêutico, social buscando equilíbrio entre seus facilitadores e possíveis malefícios.

As crianças têm deixado de estudar para jogar, deixado de conversar para assistir aos vídeos, deixado de brincar, deixado de prestar atenção ao mundo ao seu redor, das realidades, das possíveis e inúmeras experiências de um mundo real que tem se mostrado desinteressante comparado ao mundo virtual.
Acredito estar aqui diante do primeiro desafio/constatação/atuação que devemos nos propor como cuidador de uma criança e adolescente.

É preciso incorporar ao universo das crianças, esse mundo real! O que na prática significa andar pelas ruas a pé, aprender a atravessar a rua, olhar para o chão e ver elementos que podem se tornar objeto de interesse e brincadeira: um galho que vira uma espada na imaginação, uma pedra que risca o chão e que desenha letras e objetos animados pela mente fértil e criadora; entender o sinal de trânsito de fora do carro; conhecer o movimento do comércio, do entrar e sair de gente que compra, consome e usa; é ir ao caixa eletrônico e mexer em todos os botões e ver o dinheiro sair, mas não sem visitar o local de trabalho dos pais para se relacionar ganhar e ter e gastar – causa e consequência.

É participar da organização da casa: a roupa suja que vai para a máquina e que vai ao varal e que é apanhada e dobrada e passada para ir à gaveta, é limpar o sapato, guardá-lo no guarda-roupa, é tirar o prato da mesa, jogar as migalhas fora e colocá-lo na pia e lavá-lo e guardá-lo, é organizar a mesa para o almoço, é pegar a manteiga na geladeira, a faca na gaveta, é levantar da mesa e buscar o copo em vez de pedir, é saber qual componente da mesa em cada refeição, é saber onde ficam os objetos em casa.

É saber seu endereço completo, seu bairro, saber a profissão do pai, da mãe, é saber histórias de família, é saber suas origens, saber sobre seu nascimento, seu nome, ter noção de dinheiro, saber o bairro onde fica sua escola, é saber o seu país, Estado e cidade e o presidente, o governador e o prefeito e histórias pertinentes a cada um deles, é saber e se comover com a família que está na esquina pedindo esmola no semáforo (que às vezes não é vista pois, no banco de trás, só há olhos para o tablet), é saber ir ao mercado e reconhecer as necessidades de consumo de sua família sem esquecer de associar à capacidade de compra.

É saber que o celular usado para o jogo pode ser usado para viajar o mundo, conhecer e aprender sobre lugares, sobre gente, sobre culturas e histórias diversas que somadas as suas te fazem crescer, saber. É saber que as tecnologias tão à mão dos jovens e crianças não é o mundo e sim parte complementar do mundo.

Eles precisam de ajuda. Ajuda para ver o mundo e apropriar-se dele como único recurso para viver um mundo real com todas as atribulações e alegrias e aprender com elas que a fuga para o virtual, para o imaginário é uma enganação e não resolve nada, pois só no mundo real, as coisas são possíveis.

Mariza Domingues
Professora por vocação e psicopedagoga por consequência.
Em outubro de 2021

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