10 de agosto de 2021

CHOREMOS

O choro no desenvolvimento das crianças

O choro é uma das situações que mais permeiam as preocupações e incômodos dos pais. Crianças choram e isso é sempre visto como uma situação problemática. Talvez esteja aqui a questão para tanto incômodo dos pais e da sociedade: não conseguimos naturalizar o choro da criança. Não o vemos como algo que faz parte de sua condição, de seu processo de comunicação e manifestação de emoções. E é assim. É essa a condição do choro para uma criança.
Fomos educados em uma sociedade em que o choro é envolto na ideia de erro, fraqueza, frescura, teatralização e incapacidade. Isso é provocativo. Oferece possibilidades de reflexão para pais, professores, cuidadores, coordenadores, terapeutas, psicopedagogos e tantos profissionais que se ocupam com o atendimento, acolhimento e intervenções em crianças. A própria sociedade na sua noção coletiva deve pensar sobre o conceito que envolve coletiva e culturalmente o choro.

Observem que uma pessoa adulta quando chora, se emociona em público, normalmente pede desculpas. O garoto que arranca o topo do dedo no futebol e sangrando e com muita dor chora, ouve a devastadora frase “Você é um homem ou um saco de batatas?” , os pais que repetem compulsivamente a frase “Pare de chorar!” Para uma criança que tem no choro, ainda, uma forma de se comunicar e até mesmo de indicar sua incapacidade de lidar com aquela emoção do momento e não porque é incapaz, birrenta, mimada, cheia de vontade. Não. É porque esse processo é natural no desenvolvimento da criança. Ela leva tempo para alcançar outros níveis de comunicação. Exigir que uma criança não chore é o mesmo que exigir que ela não fale, que ela não se manifeste, que ela não sinta, que ela não se emocione, que ela não exista. Impossível à condição humana. E, se isso lhe for exigido, criar-se-á um adulto condicionado a calar, a “engolir o choro” por toda a vida quando sua vontade é falar, questionar, concordar ou discordar, participar.

A criança quando chora, se comunica, diz que está insatisfeita, diz que está confusa, diz que está precisando de acolhimento e orientação, mostra que ainda não é capaz de lidar com o sentimento que envolve o momento específico, ela diz que precisa de intervenção e orientação. A criança é um ser em transformação, em desenvolvimento. Ela não está pronta pra tudo. Nem adultos estamos. Temos sempre nossos medos, nossas inseguranças e vontade de chorar um choro que não sai porque seria ridiculamente visto como fraqueza, incapacidade e fragilidade. Penso que só conseguiremos essa conduta de acolhimento e orientação quando abandonarmos o conceito de que criança é um ser inferior que deve somente obedecer e calar e que choro é sempre uma manifestação de inabilidade, incompetência e de manipulação.

Não há tentativa aqui de ignorar situações de necessidade de intervenção mostradas pelo choro. O choro também é eficiente para mostrar situações que precisam receber orientação e intervenção. O choro pode e, algumas vezes, é manipulador. A criança percebe que ele é um instrumento valioso para se alcançar o que quer. Ainda mais quando o cuidador, na impaciência ou falta de tato, responde logo com aceitação da vontade. Talvez aqui, percebemos que a atitude do adulto é que condiciona a criança a chorar para ter facilmente o que quer já que esse adulto não tolera o choro e quer se livrar dele de forma rápida. A tolerância ao choro é habilidade necessária aos pais, professores e cuidadores. E, ainda mais importante, o manuseio desse choro, a intervenção, já que a ideia de “deixar chorar até cansar e parar” não parece eficiente para um ser que está em processo de desenvolvimento e que por isso não tem as capacidades físicas, mentais e sociais absolutas para resolver em si e consigo os conflitos provocadores do choro.

Talvez tenhamos que pensar no nosso próprio choro de adulto e dar vez a ele, assim naturalizamos nossas emoções e consequentemente nossa condição humana. Num mundo que clama por gente que sente, por empatia, por compaixão, por irmandade, por bondade, por aceitação, talvez, na tentativa de naturalizar o choro das nossas crianças façamos do nosso choro adulto um choro permitido, bendito, humano para que assim sejamos humanos.
Então, choremos mais!

Mariza Domingues, professora e mãe de nascença e psicopedagoga por consequência.

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Sobre o(a) autor(a)
Mariza Domingues

Mariza Domingues

Mariza Domingues é mulher, filha, mãe, professora empenhada na proposta educacional contemporânea, educadora LIV, Psicopedadoga em formação, uma pessoa incrível e ensaísta para o ABA+ ! É muita inteligência Afetiva!
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