31 de outubro de 2019

Além da arte

Por Cris Alves

Assistir ao Coringa é uma experiência necessária. Em tempo, não estou falando de crianças, de adolescentes e de adultos que veem o cinema apenas como entretenimento. E sim de pessoas interessadas e preparadas para desvendar a alma humana.

O filme é uma obra prima de Todd Phillips, tanto que ganhou o Leão de Ouro de Veneza, e conta com a atuação impressionante de Joaquim Phoenix. A narrativa se estabelece em meio a um turbilhão de sons e imagens que traduzem os tormentos do personagem e também evidenciam uma sociedade sombria e desanimadora.

O filme propõe questionamentos significativos. Já na primeira cena, ouvimos do Coringa

“ É impressão minha ou todo mundo está ficando louco? ”

E daí podemos fazer outros:

– Já vivemos numa sociedade assim?

– Qual a nossa contribuição para a invisibilidade dos indivíduos com transtornos da mente?

– O que é de fato perigoso para a sociedade?

– O doente mental de risada irritante?

– O grupo de adolescentes festivos e violentos?

– Os jovens aparentemente bons, decentes e educados?

– O milionário com ambições políticas?

– O apresentador simpático e piadista?

– A instituição que interrompe o tratamento de um paciente com sérios problemas psicológicos?

– A massa que segue insanamente um indivíduo?

– A crença de que uma arma pode resolver conflitos?

– As pessoas que berram, que apontam, mas não se colocam no lugar do outro? O governo omisso?

– Ou a mãe que submete o filho à violência e a interesses individuais?

Os questionamentos são muitos e inevitáveis e não podem ser respondidos sob a concepção judaico-cristã de que maldade é intrínseca ao ser humano. O autor rompe com essa ideia, ao mostrar que o homem nasce bom e a sociedade o torna mal. Sim, estamos falando do princípio rousseauniano do bom selvagem. O Coringa de Todd é absolutamente humano e nos obriga a repensar uma prática social, que vitimiza uns, despreza outros e enaltece poucos, e não é precipitado afirmar que essa prática resulta em seres humanos adoecidos, fragilizados e individualistas.

Por isso as sequências de imagens e diálogos desconcertantes são, na verdade, um alerta, uma esperança, um norte. Elas nos mostram que nossas crianças precisam de um ambiente de afeto, que o que elas ouvem de nós e dos outros repercutirá para sempre, que há uma variabilidade infinita de comportamentos construtivos, que toda informação exige reflexão. E que acima de tudo, temos que cultivar e ao mesmo tempo exercitar, um olhar encorajador para o outro, o que está do lado, o que está distante, o que vive de máscaras e o que sobrevive apesar dos rótulos.

Por fim. Não estamos todos loucos não. Não vivemos em Gotham City. E ainda temos tempo.

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17 Comentários

  1. Uma coisa interessante que pensei, é que ao subir as escadas no começo do filme Arthur está sempre cabisbaixo, já no final ele desce as mesmas escadas porém feliz como Coringa. Como se fazer o mal na sociedade de Gotham seja melhor para o indivíduo do que fazer o bem imposto por ela.

  2. Ainda não assisti o filme.Mas o ótimo texto,me leva a várias reflexões.Vivemos em uma sociedade que separa o “bem do mal”.O mal está no bem e vice-versa.O rótulo muitas vezes, é que nos faz traçar caminhos “para o bem ou para o mal” ou nos leva a usar “máscaras”?Será?Não tenho certeza.Mas sei que somos invisíveis em relação
    ao outro.Nos falta generosidade, afeto, compromisso…com o que nos está próximo.

  3. O filme “Coringa” expõe, sem rodeios, a sociedade atual com as suas abordagens nas relações. Seu texto acrescentou uma observação abrangente sobre como surgem os “coringas” do nosso dia a dia. Excelente reflexão!

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Sobre o(a) autor(a)
Cris Alves

Cris Alves

Cris Alves é filha, mãe, professora encantadora de pequenos escritores, indignada, empenhada, multifacetada e articulista para o ABA+ É muita inteligência afetiva!
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